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65% da África Subsaariana ainda permanece offline

Segundo o último relatório da GSMA, em 2024 cerca de 65% da população da África Subsaariana, aproximadamente 790 milhões de pessoas, não utilizava a Internet móvel apesar de estar dentro da cobertura de banda larga. Em suma, milhões estão cobertos mas permanecem desconectados.

Esta única estatística conta uma história paradoxal: a cobertura cresceu, mas a utilização estagnou. A exclusão digital já não se refere principalmente ao acesso físico às redes. Trata-se do motivo pelo qual as pessoas, mesmo quando têm cobertura, permanecem desconectadas.

Isso levanta uma questão crítica: se a infra-estrutura está disponível, por que tantas pessoas ainda estão excluídas da economia digital? 

“Então, quando olhamos para a oportunidade actual de conectar milhões de pessoas na África Subsaariana que estão próximas a um sinal 3G ou 4G, mas nunca usaram a internet móvel, nos perguntamos: qual é o desafio? Qual é a principal barreira por trás disso? Por que elas não estão online? A questão não é mais sobre cobertura, mas porquê tantas pessoas permanecem offline.”

-Angela Wamola, Directora da GSMA para a África.

O que mudou entre 2023 e 2024: um panorama de dois anos

Em 2023, cerca de 27% da população da região utilizava a Internet móvel, aproximadamente 320 milhões de pessoas. A diferença de utilização era de 60%, enquanto a diferença de cobertura era de 13%. As mulheres ainda eram 32% menos propensas do que os homens a usar a Internet móvel, embora isso representasse uma ligeira melhoria em relação ao ano anterior. Quase dois terços dos assinantes usavam telemóveis 3G ou telemóveis básicos, dispositivos que limitavam o que eles podiam realmente fazer online.

Em 2024, as coisas mudaram, mas não inteiramente para melhor.

Em 2024, apesar da redução da diferença de cobertura para 10% devido à expansão das redes rurais, três em cada quatro pessoas na África Subsaariana continuaram sem acesso à Internet. A utilização caiu para 25%, enquanto a diferença de utilização subiu para 65%. O principal desafio deixou de ser a construção de infraestrutura e passou a ser a adopção significativa da conectividade.

“A diferença no uso é uma grande preocupação. É fundamental aumentar a consciencialização, oferecer educação e formação para que as pessoas compreendam verdadeiramente o valor e os benefícios de estarem conectadas. Sem essa compreensão, elas não irão abraçar ou utilizar plenamente a conectividade disponível”.

-Dr. Oscar Ondo, CEO, GITGE.

Além da cobertura: por que milhões permanecem offline?

A diferença de uso na África Subsaariana revela que a conectividade depende de factores além da infraestrutura. Barreiras económicas, falta de competências, baixa consciencialização e desconfiança dificultam o acesso. Em 2024, um telemóvel básico com Internet custava aos 20% mais pobres o equivalente a 87% do rendimento mensal. Embora o preço dos dados tenha melhorado, um pacote de 20 GB ainda representava, em média, 15% da renda mensal, tornando a Internet um luxo para muitas famílias com dificuldades financeiras.

“A acessibilidade é uma questão multifacetada. Não se trata apenas da incapacidade de pagar, mas também da percepção do valor do serviço em comparação com o seu custo.”

-Max Cuvellier Giacomelli, Diretor de Mobile for Development, GSMA

Na África Subsaariana, a exclusão digital rural mantém-se acentuada. Adultos em áreas rurais são quase 50% menos propensos a usar internet móvel do que os habitantes urbanos, devido a infraestruturas frágeis, oportunidades educativas limitadas e fraca motivação económica. As desigualdades de género persistem: as mulheres continuam 29% menos propensas a utilizar a internet móvel, resultado de rendimentos baixos, acesso desigual à educação e normas sociais restritivas.

Mesmo entre os conectados, seis em cada dez usam smartphones 3G ou feature phones, o que restringe o acesso a serviços avançados como e-learning, streaming ou banca móvel. Em algumas regiões, até 40% da população nunca ouviu falar de internet móvel. Baixa literacia digital, falta de competências e receios de golpes ou fraudes agravam a exclusão.

A expansão da cobertura não basta; os obstáculos sociais, económicos e culturais são agora o maior desafio para a inclusão digital.

“A ligação à Internet traz benefícios socioeconómicos enormes e inegáveis para os indivíduos e as sociedades. Serviços essenciais, como cuidados de saúde, educação, comércio eletrónico e serviços bancários, são agora mais frequentemente acedidos online e, para milhares de milhões de pessoas, isso significa principalmente através de dispositivos móveis”.

–Vivek Badrinath, Director-geral, GSMA

Eliminar a disparidade no uso da internet é crucial. Segundo a GSMA, isso poderia acrescentar 3,5 biliões de dólares ao PIB mundial entre 2023 e 2030, com mais de 90% dos benefícios a favor das regiões em desenvolvimento, incluindo uma fatia significativa para a África Subsaariana.

Os ganhos vão além da economia. A internet móvel apoia educação, saúde, inclusão financeira e resiliência em crises. Permite que agricultores acedam a previsões meteorológicas, estudantes aprendam online e empreendedores alcancem novos mercados. Com três quartos da população offline, a região arrisca perder não apenas crescimento económico, mas também o acesso aos sistemas que moldam a participação no mundo moderno.

“Um dispositivo a 30 dólares poderia tornar os telemóveis acessíveis a até 1,6 mil milhões de pessoas que atualmente não têm condições financeiras para se conectar à cobertura de internet móvel disponível. Para produzir isso, será necessário um esforço conjunto e colaborativo entre a indústria móvel, fabricantes de dispositivos, decisores políticos, instituições financeiras e outros, mas é uma responsabilidade que todos devemos assumir”

-Vivek Badrinath, Director Geral, GSMA

A prioridade deve evoluir da simples cobertura para a conectividade significativa, garantindo acessibilidade, alfabetização digital, segurança e relevância para um uso produtivo e seguro. Os governos precisam adotar políticas que reduzam impostos sobre dispositivos e dados, tornando a internet mais acessível. Subsídios dirigidos aos grupos mais vulneráveis podem acelerar a redução das desigualdades. Além disso, é essencial criar ambientes regulatórios que incentivem investimentos em redes tradicionais e tecnologias alternativas capazes de alcançar comunidades de difícil acesso.

“Os desafios que enfrentamos, desde colmatar a lacuna de utilização até melhorar as competências digitais e garantir a acessibilidade, são significativos, mas não são insuperáveis”.

-Max Cuvellier Giacomelli, Director de desenvolvimento mobile do GSMA

A África Subsaariana tem demonstrado capacidade para superar barreiras tecnológicas, como comprovou o sucesso do dinheiro móvel. O mesmo impulso deve ser aplicado ao desafio da conectividade. A infraestrutura representa apenas o primeiro passo; o futuro digital da região depende de milhões de pessoas passarem de cobertas a conectadas e de conectadas a incluídas de forma plena. Apesar dos números preocupantes do relatório da GSMA, existe uma oportunidade clara. É fundamental garantir que a conectividade deixe de ser apenas um ponto no mapa e se torne uma realidade concreta na vida das pessoas.

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